O Direito é uma área que me interessa pouco fora dos episódios de
Law & Order, com exceção ao ramo da propriedade intelectual (PI). Ela me interessa por dois motivos. Em primeiro lugar, porque me parece absolutamente artificial. Em segundo, porque pouca gente parece perceber o quão artificial é.
Não estou dizendo que não tenha nem seu lugar, nem sua utilidade, mas que ela tem sempre que ser vista somente à luz de sua utilidade. Propriedade intelectual é um ferramenta econômica, não um direito fundamental do homem. Há 200 anos, o conceito que temos hoje de pirataria seria inconcebível. No entanto, hoje as pessoas o têm como absolutamente natural.
Em 1985, a Unitron lançou o
Uniton Mac 512. Ele era um clone do
Mac, mas com mais memória. A Unitron havia tentado obter licença da
Apple para produzi-lo no Brasil, mas não conseguiu porque ela exigia 51% do negócio e a lei brasileira proibia que uma empresa estrangeira fosse majoritária.
Quando a Unitron lançou o Mac 512, a Apple sequer havia registrado patentes no Brasil. Além disso, como o Mac da Unitron havia sido desenhado a partir de engenharia reversa, não havia sombra de dúvida sobre sua legalidade. Para obter a licença, a Unitron havia até se comprometido a produzir drives de 3,5", já que só eram produzidos no país os de 5,25".
Mesmo assim, a Apple acusou a Unitron de pirataria (através de uma campanha na mídia local), assim como a Xerox a acusaria de copiar seus projetos e como a própria Apple acusaria a Microsoft de copiar sua interface gráfica. Havia uma semelhança inegável do Mac com o
Xerox Alto, tanto no desenho como na interface gráfica. O mouse e o teclado eram praticamente iguais.
No Brasil, todos os computadores eram cópias de máquinas estrangeiras. Os CP da
Prológica eram cópias do
ZX81 e do
TRS80; os TK da
Microdigital eram cópias dos micros da
Sinclair, do TRS80 ou do
Apple II; e a maioria dos micros profissionais eram clones do
IBM PC. Assim como no leste europeu, não havia impedimento para clonar um micro europeu ou gringo, porque as leis de lá simplesmente não se aplicavam aqui. O resultado é que alguns projetos eram até melhores que os originais.
A Apple não buscou uma ação judicial contra a Unitron, porque sabia que não havia base para uma. Ela foi ao
Departamento de Estado dos Estêites e este, por sua vez, ameaçou impor sanções comerciais ao Brasil. Eles sobretaxariam laranjas e sapatos se a Unitron não desistisse. Não havendo questão legal a resolver, a Apple simplesmente alavancou a força da maior economia do mundo sobre a Unitron.
O governo brasileiro, por sua vez, perdeu uma excelente oportunidade de negociar uma saída. Certamente, teria sido vantajoso para a Apple entrar no mercado brasileiro antes que todos os concorrentes. E o mercado nacional finalmente teria um micro avançado.
O comportamento da Apple deixou patente que não era uma questão de propriedade intelectual, mas de disputa comercial. O projeto, mesmo sendo perfeitamente legal, acabou sendo proibido, além de ser falsamente retratado na mídia como pirata. O investimento e o conhecimento adquiridos no desenvolvimento do Mac brasileiro foram perdidos.
Com esse tipo de apoio, foi melhor mesmo que a reserva de mercado tenha sido extinta.