quinta-feira, 28 de setembro de 2023

A era do conteúdo

Ultimamente eu estive avaliando notebooks e comecei a assistir vídeos no Youtube. Infelizmente, todos são muito superficiais. Eles falam sobre as cores, se o micro é fininho ou não, quanto pesa, etc. A parte mais técnica é a enumeração das características básicas (CPU, memória, etc). Essa fixação com a espessura dos notebooks, por sinal, é de lascar, porque está levando a produtos que são impossíveis de consertar ou atualizar.

Então comecei a reparar o mesmo com os vídeos de carros. Os "analistas" descrevem as cores, o tipo de estofado, os itens do painel, etc. Nenhuma informação realmente elucidativa é incluída: quem se deparar com o produto pela primeira vez, já pode sair gravando um vídeo.

Quem acompanha os vloggers de tecnologia certamente testemunhou toda a comoção gerada pela revelação de que Linux Tech Tips publicava informações falsas simplesmente porque precisava gerar vídeos num ritmo acelerado. LTT se apresentava como um canal sério e que analisava a fundo os produtos. Sequer os canais grandes são confiáveis.

Tem uma categoria de vídeos que são aqueles sobre produtos baratos e descartáveis da China. Esses também são muito razos, principalmente porque o narrador abre o produto naquele momento e toma conhecimento dele enquanto grava. Entretanto, só pelo fato de manusear um objeto, já se pode ter uma ideia do tamanho e da qualidade. Algum valor marginal há nesses vídeos, embora assisti-los por completo talvez seja demais.

Uma categoria que acho patética é a dos vídeos de dicas domésticas, porque há uma tentativa desesperada de encontrar soluções inesperadas para tarefas ou objetos de uso cotidiano.

Os filosófos contemporâneos chamam nossa era de Capitalismo Tardio. Além do crescimento do comércio internacional, há também um aumento exponencial de produtos, assim como um aumento na velocidade na criação de novos produtos. Entretanto, isso não quer dizer que todos os produtos sejam de fato inovadores; muitas vezes a inovação é apenas estética e superficial. Por exemplo, eu escrevo estes textos num micro que tem mais de 10 anos (embora eu tenha executado muitas manutenções nele). Um micro novo seria interessante, mas não essencial para as minhas necessidades. Já se foi a época em que cada geração de computadores tinha o dobro de capacidade em tudo; a velocidade de lançamentos, entretanto, continua alta.

A evolução tecnológica vai colocando mais e mais poder na mão do indivíduo. A evolução nas comunicações certamente permitiu a qualquer um conquistar públicos no planeta inteiro. O que nem o plim-plim consegue, um youtuber pode fazer sozinho. Mas isso não significa que o conteúdo seja melhor.

Os jornalistas sempre nos alimentaram notícias desprovidas de informação. Cada jornal matinal com as mesmas informações sobre crimes, esportes, e o tempo podia ser repetido em qualquer outro dia.

Então esses criadores de conteúdo não são uma inovação, exceto pela quantidade e pelo ritmo de produção de pseudo-informação. A própria expressão "conteúdo" acho que revela a forma genérica e sem profundidade do que é produzido. Conteúdo é uma coisa que ocupa espaço e tempo, principalmente tempo. Como as TVs antes precisavam ser genéricas, os assuntos foram sempre os mais abrangentes. A tecnologia agora nos permite canais superficiais sobre qualquer tema.

Os jornalistas tradicionais podem se justificar com a necessidade de produzir diariamente conteúdo para uma massa variada de espectadores. Os modernos criadores de conteúdo não têm a mesma limitação, mas, por outro lado, precisam competir entre si pela atenção dos seguidores. Então, a força inibidora de qualidade me parece um pouco diferente.

Um mecanismo que permite aos produtores mais sérios sobreviver com poucos seguidores é o patrocínio. Assim como a tecnologia nos presenteou com essa onda de bobagens, também nos permitiu mecanismos para sustentar as coisas boas.

Para encerrar este conteúdo que aqui despejo, concluo que penso que uma atitude saudável hoje em dia é se desconectar das mídias sociais ou, ao menos, reduzir substancialmente o número de canais seguidos e torcer que tudo não acabe como a TV e a rádio, sem nada de interessante para assitir.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Ninguém pode visitar duas vezes o mesmo país

Durante minha juventude, nos anos 1980 e 1990, eu visitava o Uruguai com frequência, porque lá viviam meus avós. A casa dos abuelos oferecia uma pequena viagem no tempo: tinha muitos objetos dos anos 1950 e 1960; talvez até de antes.

Eu gostava de folhear revistas antigas, usar uma TV a válvula (que levava 3 horas para esquentar), ou brincar com o radinho portátil Spica (com capa de couro).

O centro de Montevidéu oferecia horas e horas de entretenimento, porque a oferta de produtos eletrônicos era muito superior ao que podia ser visto no Brasil. Havia vitrines com dezenas de modelos de rádios, televisores, e, evidementemente, computadores. Enquanto a oferta de computadores no Brasil era muito reduzida, no Uruguai todas as marcas e todos os modelos podiam ser encontrados.

Certa vez visitei várias lojas com uma amiga da abuela para procurar um micro para seu sobrinho; avaliamos vários e, por fim, ela escolheu um Atari ST. Em outro momento, passei horas numa loja de Amigas, não tanto por minha escolha, mas porque meu amigo estava embasbacado com aquela quantidade de cores (32 de uma paleta de 4096).

A oferta era tão grande ao ponto de ser absurda, porque assim como havia Commodore Amiga, era possível encontrar um Coleco Adam.

A avenida 18 de Julio era muito movimentada e poluída: os ônibus eram muito antigos e rodavam a diesel. Eram Leylands dos anos 1950. As paredes dos prédios eram pretas de foligem. Havia ainda trolébuses que às vezes perdiam contato com os cabos; o motorista tinha que descer e reconectar o veículo. Os cobradores carregavam, preso por um cinto de couro, uma caixinha metálica que abrigava vários rolos de papel colorido: o sistema de passagens que eu nunca dominei.

Havia uma variedade enorme de veículos de todas as eras e com variados estados de conservação. Podia-se encontrar um carro dos anos 1980 caíndo aos pedaços assim como um carro novinho dos anos 1930. Os caminhões de serviço apresentavam um espetáculo assustador de perserverância, porque alguns há muito tinham passado o ponto de serem vendidos como sucata.

Passadas as décadas, tanto Brasil como Uruguai são países diferentes. O mercado brasileiro abriu-se e hoje pode-se comprar tudo o que se deseja; as lojas de eletrônicos do Uruguai já não parecem tão interessantes, nem mesmo nos preços.

O Uruguai tornou-se um pouco mais rico e os carros antigos sumiram. Talvez no interior se encontre um Fiat 500. O Museu do Automóvel, na Calle Colonia, é a única chance agora de ver veículos de outros tempos na capital. Infelizmente, o país ainda não se tornou rico o suficiente para recuperar todos os belos prédios antigos de Montevidéu.

Assim como no Brasil, o comércio de rua está sofrendo. As galerias da 18 de Julio estão quase vazias e os shoppings estão cheios. Nem mesmo a feira Tristan Narvaja parece oferecer a mesma variedade de produtos, comidas, e quinquilharias que antes espalhava pela ruas. Talvez os garçons sintam falta dos velhos tempos, porque também parecem mais mal-humorados.

Em alguns aspectos, o Uruguai ainda está na frente. Podes pagar os 10% do restaurante com cartão e a maquininha discrimina os valores e cobra os impostos de acordo. Há muitos ônibus elétricos (as fachadas dos prédios já não estão negras de foligem). O supermercado Tata tem um self-checkout muito melhor que qualquer um que experimentei no Brasil.

O aspecto mais interessante do interior do Uruguai são as estradas bem conservadas e os postos de pesagem automatizados. Enquanto no Brasil há postos de pesagem abandonados (muitos nunca foram usados), os uruguaios já os automatizaram. Os caminhões desviam para o lado da estrada (uma câmera garante que ninguém escape) e executa a pesagem sem interagir com ninguém.

Como as visitas não chegam a matar a saudade daquele Uruguai de antigamente, só me resta continuar voltando lá para encontrar novas coisas que sublinhem as impressões do passado. Tem sentido isso? Não importa. Um chivito e um pomelo, por favor.