Durante minha juventude, nos anos 1980 e 1990, eu visitava o Uruguai com frequência, porque lá viviam meus avós. A casa dos abuelos oferecia uma pequena viagem no tempo: tinha muitos objetos dos anos 1950 e 1960; talvez até de antes.
Eu gostava de folhear revistas antigas, usar uma TV a válvula (que levava 3 horas para esquentar), ou brincar com o radinho portátil Spica (com capa de couro).
O centro de Montevidéu oferecia horas e horas de entretenimento, porque a oferta de produtos eletrônicos era muito superior ao que podia ser visto no Brasil. Havia vitrines com dezenas de modelos de rádios, televisores, e, evidementemente, computadores. Enquanto a oferta de computadores no Brasil era muito reduzida, no Uruguai todas as marcas e todos os modelos podiam ser encontrados.
Certa vez visitei várias lojas com uma amiga da abuela para procurar um micro para seu sobrinho; avaliamos vários e, por fim, ela escolheu um Atari ST. Em outro momento, passei horas numa loja de Amigas, não tanto por minha escolha, mas porque meu amigo estava embasbacado com aquela quantidade de cores (32 de uma paleta de 4096).
A oferta era tão grande ao ponto de ser absurda, porque assim como havia Commodore Amiga, era possível encontrar um Coleco Adam.
A avenida 18 de Julio era muito movimentada e poluída: os ônibus eram muito antigos e rodavam a diesel. Eram Leylands dos anos 1950. As paredes dos prédios eram pretas de foligem. Havia ainda trolébuses que às vezes perdiam contato com os cabos; o motorista tinha que descer e reconectar o veículo. Os cobradores carregavam, preso por um cinto de couro, uma caixinha metálica que abrigava vários rolos de papel colorido: o sistema de passagens que eu nunca dominei.
Havia uma variedade enorme de veículos de todas as eras e com variados estados de conservação. Podia-se encontrar um carro dos anos 1980 caíndo aos pedaços assim como um carro novinho dos anos 1930. Os caminhões de serviço apresentavam um espetáculo assustador de perserverância, porque alguns há muito tinham passado o ponto de serem vendidos como sucata.
Passadas as décadas, tanto Brasil como Uruguai são países diferentes. O mercado brasileiro abriu-se e hoje pode-se comprar tudo o que se deseja; as lojas de eletrônicos do Uruguai já não parecem tão interessantes, nem mesmo nos preços.
O Uruguai tornou-se um pouco mais rico e os carros antigos sumiram. Talvez no interior se encontre um Fiat 500. O Museu do Automóvel, na Calle Colonia, é a única chance agora de ver veículos de outros tempos na capital. Infelizmente, o país ainda não se tornou rico o suficiente para recuperar todos os belos prédios antigos de Montevidéu.
Assim como no Brasil, o comércio de rua está sofrendo. As galerias da 18 de Julio estão quase vazias e os shoppings estão cheios. Nem mesmo a feira Tristan Narvaja parece oferecer a mesma variedade de produtos, comidas, e quinquilharias que antes espalhava pela ruas. Talvez os garçons sintam falta dos velhos tempos, porque também parecem mais mal-humorados.
Em alguns aspectos, o Uruguai ainda está na frente. Podes pagar os 10% do restaurante com cartão e a maquininha discrimina os valores e cobra os impostos de acordo. Há muitos ônibus elétricos (as fachadas dos prédios já não estão negras de foligem). O supermercado Tata tem um self-checkout muito melhor que qualquer um que experimentei no Brasil.
O aspecto mais interessante do interior do Uruguai são as estradas bem conservadas e os postos de pesagem automatizados. Enquanto no Brasil há postos de pesagem abandonados (muitos nunca foram usados), os uruguaios já os automatizaram. Os caminhões desviam para o lado da estrada (uma câmera garante que ninguém escape) e executa a pesagem sem interagir com ninguém.
Como as visitas não chegam a matar a saudade daquele Uruguai de antigamente, só me resta continuar voltando lá para encontrar novas coisas que sublinhem as impressões do passado. Tem sentido isso? Não importa. Um chivito e um pomelo, por favor.
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