quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Minha Teoria de Tudo

Eu imagino que todo mundo conheça algum senhor de uma certa idade que tenha uma "teoria de tudo". Penso isso, porque já conheci várias figuras assim. Geralmente são aposentados e conseguem reduzir todos os problemas do mundo ao excesso de gente, ou à falta de polícia, ou ao comunismo, etc.

Ainda estou longe de me aposentar, tão longe que eu acho que sequer vou chegar lá: um dia, eu digo aos meus colegas, vou deixar de vir ao trabalho. Entretanto, já começa a se formar na minha cabeça uma teoria de tudo.

Durante a pandemia, comecei a assistir muitos vídeos sobre filosofia. Em parte por interesse no assunto, em parte porque Kant me ajudava a dormir. Um fato curioso começou a se desenhar: há muitos canais de filosofia apresentados por pessoas trans ou drag-queens. Pode ser também que o Youtube tenha decidido que, de todos os canais de filosofia, eu prefira esses.

O último que apareceu para mim é o Philosophy Tube, apresentado por uma Abigail Thorn. E o episódio que surgiu para mim era sobre construções sociais. É uma apresentação bastante convincente sobre a aribtrariedade das normas da sociedade. Naturalmente, uma pessoa que viva fora das convenções, como Abigail Thorn, deve perceber com maior claridade as limitações dessas normas.

Concorrentemente, estou lendo um livro sobre autismo (Unmasking Autism - Devon Price), mais especificamente sobre mascaramento. Logo na introdução há uma referência a Hannah Gadbsy, uma comediante autista e que, num de seus esquetes, fala sobre sua dificuldade na escola. A dificuldade, naturalmente, advém da incapacidade de pensar na mesma frequência que a professora.

Essa força em direção ao conformismo que vivenciamos na sociedade, sendo causa ou consequência, não sei bem ainda, age no sentido de manter o status quo.

As religiões costumam ter um credo; o catolicismo obriga as pessoas a repetir o credo em todas as missas (pelo menos todas a que eu fui). É um momento estranho: se eu acredito mesmo nisso, por que tenho que ficar repetindo? Não acordo todo dia e repito: a terra é redonda, orbita o sol, e as espécies evoluem através da seleção natural.

Tem um trecho da quinta sinfonia de Shostakovich que ele descreve como:

É como se alguém estivesse batendo em você com um pedaço de pau e dizendo: “Seu negócio é alegria, seu negócio é alegria”, e você se levanta, trêmulo, e sai marchando, murmurando: “Nosso negócio é alegria, nosso negócio é alegria”.

O problema, como eu o vejo, é que muita gente sai mesmo marchando com alegria. A superestrutura dá um tapa na cara do sujeito e ele ainda não a enxerga.

Esses defeitos na matriz aparecem em outros lugares, não apenas na religião. Aparecem na insistência da mídia corporativa com os ideais neoliberais; aparecem em cartazes com "Eu confio na Polícia"; e até nas renovações anuais dos "valores" das empresas. Essas coisas lembram os cartazes ufanistas dos países comunistas: Glória ao Povo Soviético Rumo ao Comunismo! Pelo menos a arte era melhor e tinham mosaicos.

O que terão de especial as drag-queens e os autistas? Os primeiros sofrem por não se adequarem às normas, os segundos por não entenderem as normas.

Mas, se as construções sociais são arbitrárias, podemos imaginar um mundo em que os autistas e as drag-queens sejam os heróis da sociedade: eles percebem o que é supérfluo! Deficientes são aqueles que acreditam nas arbitrariedades da sociedade como se fossem uma lei natural e acreditam com tal força que acham-se no direito até de usar de violência física, verbal, ou qual seja, para reafirmar suas crenças.

Quem é deficiente ou não é também uma construção social.

E então chego a meu diagnóstico que tudo abrange: o problema da sociedade é que deixamos as pessoas deficientes organizarem tudo.