sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A nota do vestibular e o sistema de cotas

Eu lembro bem até hoje da minha nota no vestibular. Era uma ótima nota e eu poderia, naquele ano, ter entrado em qualquer curso. E a verdade, passados 20 anos, é que a nota que me foi tão cara não teve nenhuma relevância sobre o que se passou depois. Por isso, não vejo a importância que se está dando às notas dos aprovados pelo sistema de cotas.

Sempre achei curioso como os norte-americanos entram na universidade para depois decidirem qual formação desejam (alguns devem ter propósitos bem firmes, mas, mesmo assim, as univerdades lhes deixam todas as portas abertas). Aqui no Brasil, por outro lado, parecemos ter a realidade perfeitamente sob controle; como numa ditadura stalinista bem planejada, temos, desde já, definidos os futuros dos 140 gloriosos engenheiros que ingressam hoje na faculdade do povo! E, assim como numa ditadura stalinista bem planejada, os resultados são, digamos, não tão brilhantes quanto se esperava.

Infelizmente, ingressamos sem conhecer o curso e muito menos o mercado profissional que nos aguarda depois. E a nota do vestibular perde toda a importância no minuto que nos matriculamos. Há portadores de notas medíocres com carreiras internacionais fantásticas, assim como portadores de notas excelentes com carreiras menos que gloriosas.

Há quem tema a decadência das universidades públicas, como se sua luz fosse hoje apenas reflexo do brilhantismo de seus alunos. Os professores são todos doutores, mas no instante em que substituirmos seus alunos por outros menos dignos, tudo isso tornar-se-á irrelevante, parecem pensar alguns. Eles tambêm, tudo indica, serão incapazes de dar notas baixas a quem não estudar.

Os cotistas em geral, têm notas piores no vestibular, sim, mas o que importa saber é como serão seus desempenhos acadêmicos e como serão suas vidas depois de completado o curso e, também, como será a nota de seus filhos. Todos os dias, saio caminhando do meu prédio e vejo gente branca saindo em carros imponentes e gente de pele escura entrando à pé para fazer a limpeza. Nos 124 anos desde que foi abolida a escravatura, a sociedade brasileira não tentou de nenhuma forma diminuir as desigualdades e, no momento em que se produz um pequeno experimento, a reação é a de que a civilização ocidental está a perigo.

Penso eu que o vestibular tinha que ser abolido. Quem quiser que matricule-se na cadeira de cálculo e quem passar que prossiga. Podem colocar uma prova de exemplo na porta da reitoria que muitos já desistirão. Sem prova de admissão, então podemos voltar a falar em qualidade de ensino e deixar essa fixação juvenil no vestibular para trás.

P.S. Refletindo sobre o texto, lembrei depois que três empresários de sucesso que conheço não passaram no vestibular da UFRGS quando não havia cotas (talvez para sua própria sorte), o que confirma que a nota do vestibular não mede muita coisa.

4 comentários:

  1. Estava pensando na preparação dos cotistas ("será que eles vão conseguir acompanhar o curso?") e me veio à cabeça o seguinte:

    - quantos excelentes vestibulandos foram medíocres alunos?
    - quantos excelentes vestibulandos ficaram pelo meio do caminho por vagabundagem?
    - quantos excelentes vestibulandos se tornaram "estudantes profissionais" e foram jubilados (ou quase)?

    Além disso, o vestibular não mede a inteligência da pessoa, mede apenas a quantidade de conhecimento sobre algumas matérias. Só porque um cotista teve nota pior, não quer dizer que ele seja pouco inteligente.

    ResponderExcluir
  2. Meu maior feito acadêmico foi a nota do vestibular.
    Do vestibular em diante fui um aluno mediano.
    Abolir o vestibular é bem interessante, mas precisaremos construir alguns ginásios para acomodar aulas para 5 mil alunos, como na Itália.
    Outra coisa que poderia sumir seria a exigência de bacharelado em direito para ser advogado.
    O exame da ordem bastaria para o camarada que estudou sozinho (como Lincoln) ser advogado.
    Os advogados pensam estar usando o exame da OAB para elitizar um pouco o acesso à profissão, mas poderíamos inverter a lógica do exame do mesmo modo como não se exige diploma para ser jornalista muito menos programador.

    ResponderExcluir
  3. Concordo que o vestibular não seleciona os melhores, assim como um concurso público também não.

    Aliás, na vida profissional muito mais vale uma boa rede de relacionamentos do que qualquer outra coisa.

    Mas não gosto, na verdade, da postura de coitadinhos que muitos dos que antes não entravam na Ufrgs e que agora entram pelas cotas se colocam. As pessoas insistem em pôr a culpa na sociedade pelo próprio fracasso.

    Li reportagem na Zero Hora do último domingo sobre o assunto cotas, em que uma cotista dizia "não ter conseguido terminar a faculdade de direito ainda, porque tinha que trabalhar".

    Fiz a faculdade de direito da Ufrgs inteira no prazo de 5 anos, no turno da noite, trabalhando 44 horas semanais e tendo um dos melhores desempenhos da turma. Passei na prova da OAB sem praticamente nenhum estudo extra em função disso.

    Quer dizer, se a mentalidade é "entrar, não precisar assistir aulas e sair com o diploma embaixo do braço", o sistema de cotas vai continuar sendo inútil como instrumento de ascensão social.

    ResponderExcluir
  4. Ane, tenho certeza que muita gente que entrou pelo acesso universal também não faz por merecer.

    ResponderExcluir