A língua está na boca dos gaúchos. Antes de discutirmos as dificuldades de viver sem estrangeirismos, havíamos sido atormentados pela polêmica dos livros escolares que ensinam que não é errado falar mal o português.
Nossa mídia nos confunde. Ora é ridículo traduzir estrangeirismos, ora é importante apontar o erro na língua alheia. Mas a confusão é mais antiga que essas duas discussões, alimentadas, sem dúvida, com o objetivo de vender mais escândalos.
Há décadas os jornais ignoram a ortografia. Os erros, há inúmeros deles todos os dias em todos os jornais (poucos jornalistas parecem saber que o verbo implicar é transitivo direto, por exemplo), mas o que realmente salta aos olhos são os nomes.
Segundo Marcos de Castro (no livro A Imprensa e o Caos na Ortografia), até o fim dos anos 1970, os jornais brasileiros respeitavam a língua portuguesa. Os nomes eram escritos como manda a regra. Ulisses e não Ulysses; Luís e não Luiz; Ademar e não Adhemar. Então, o general Golberi, afeito apenas a suas próprias regras, cismou que seu nome tinha que ser grafado conforme o equivocado progenitor o havia rabiscado: Golbery.
Desde então, a criatividade na grafia dos nomes próprios só tem aumentado. A cidade de Parati agora é Paraty e o Itamarati virou Itamaraty. Por sorte, o limite parece ser o teclado do escrivão; sem esse entrave, logo estaríamos sujeitos a símbolos, caracteres estrangeiros e logogramas asiáticos. Ai se descobrem o mapa de caracteres do Windows!
Há o seguinte parágrafo no polêmico livro "Por uma vida melhor", do MEC:
'Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'. Você pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião
É prova inconteste da infiltração esquerdista no governo, porque, todos sabemos, não existe preconceito no Brasil. A imprensa, provado está, toma de braços abertos todas as formas de grafia. Com erros de concordância, não sei bem dizer o motivo, ela não tem tanta compreensão. Arrisco-me a conjecturar que a gravidade dos erros seja proporcional ao nivel sócio-econômico do errado. Eu devo ser comunista enrustido.
Antes mesmo dos jornais esquecerem essa história toda, um deputado comunista (a que ponto chegamos!) propõe que sejam traduzidos os estrangeirismos. A mídia regozijou-se. Um jornalista (provavelmente muito ocupado transcrevendo os textos da Reuters para procurar um dicionário) lançou uma lista de palavras únicas que, por sorte, seus leitores ajudaram a traduzir. O coitado não sabia como traduzir tsunami, mas logo apontaram para maremoto e vagalhão. Agora ele tem até escolha (parece que seu patrão não tinha muitas ao contratá-lo).
Então, vou propor umas adições ao livro do MEC. Sugiro o seguinte parágrafo:
Nos jornais, frequentemente encontramos erros como 'Ulysses Guimarães não estava presente no impeachment de Fernando Collor de Mello, porque havia morrido poucas semanas antes'. O correto seria 'Ulisses Guimarães não estava presente ao impedimento de Fernando Collor de Melo, porque havia morrido poucas semanas antes'. No entanto, não devemos mostrar preconceito contra trabalhadores que, tendo pouco tempo para preparar a edição do dia seguinte, não corrigem seus textos, mesmo com todas as facilidades oferecidas pelos computadores modernos.
Os erros do texto são meus e não da língua. Ela sabe de si e eu cuido de mim. Fernando Pessoa, que disso tudo entende muito mais que eu, mas que, tristeza nossa, está morto há muito tempo, escreveu e basta para terminar meu argumento:
Obedeça à gramática quem sabe pensar o que sente. Sirva-se dela quem sabe mandar nas suas expressões. Conta-se de Sigismundo, Rei de Roma, que tendo, num discurso público, cometido um erro de gramática, respondeu a quem dele lhe falou, "Sou Rei de Roma, e acima da gramática". E a história narra que ficou sendo conhecido nela como Sigismundo "super-grammaticam". Maravilhoso símbolo! Cada homem que sabe dizer o que diz é, em seu modo, Rei de Roma. O título não é mau, e a alma é ser-se.
terça-feira, 31 de maio de 2011
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Fantástico! Posso compartilhar (share)? ;>)
ResponderExcluirClaro! Toda propriedade intelectual é um roubo intelectual, então podes copiar à vontade. Fico contente!
ResponderExcluir(1)O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião
ResponderExcluirOu seja, o livro não ensina a falar errado coisa nenhuma. Apenas rediz o que sempre foi dito: a gente normalmente fala "os chinelão fiadapu", mas se for fazer um discurso, tem que dizer "os chinelões filhos da prostituta" (ahem...)
(2) Então meu nome deveria ser grafado "Márcus Aurélius Cordenúnsi Farias"? Oh, céus, quase todo o meu nome está errado, só se salvou o Farias. Vou ali me suicidar um pouco e já volto.
De fato, muita gente escreve mal o nome. Essa luz veio-me quando perguntei a um português se o nome dele era Lopes com 'z' ou com 's'. Ele me olhou com uma cara estranha e respondeu que com s, claro.
ResponderExcluirO engraçado é que a gente faz isso com muitos nomes e nem percebe. O Papa João Paulo não era João Paulo em latim. Nem Londres é assim em inglês.
Ou seja, a fala vem antes e a ortografia define como codificá-la com o nosso alfabeto e não o contrário. Não importa que o General Golbery tenha essa grafia na certidão, todos os jornais tinham que usar Golberi (ainda mais que naquela época o ípsilon nem exsitia no nosso alfabeto).
Segundo a lista de nomes de Portugal, creio que o nome deveria ser "Marcos Aurélio".
ResponderExcluirMas aí teria um erro de concordância!
ResponderExcluir"Marcos Aurélio" fica parecendo "Os livro"! Ou é "Marco Aurélio" ou "Marcus Aurelius"...