Em 2050, os carros autônomos começaram a dominar o mercado de transporte individual no Brasil. Após desistir de impor a ordem ao trânsito, o país estava esperançoso: os novos veículos inteligentes trariam a paz às ruas e o ano terminaria com uma contagem de fatalidades de apenas quatro dígitos.
O típico pedestre foi o primeiro a perceber o seu novo poder. Já que ninguém o atropelaria, ele podia atravessar qualquer avenida sem medo. Ao mesmo tempo, os passageiros dessas maravilhas tecnológicas ficavam cada vez mais irritados: não podiam viajar na velocidade que desejavam e tampouco podiam estacionar onde queriam. Era um inferno.
O trânsito das grandes cidades simplesmente parou nos horários de pico. Pedestres e ciclistas retomaram as ruas. Os proprietários destes novos carros tornaram-se violentos. Primeiro, com ameaças:
- Você sabe quem eu sou?! Eu paguei caro por este carro!!
Isso não resolveu. Afinal, os pedestres estavam acostumadas a carros avançando; uns gritos nervosos não assustavam a ninguém.
Os ex-motoristas estavam deseperados. Haviam pagado caro na esperança de finalmente livrarem-se dos engarrafamentos. O resultado é que estavam perdendo tempo no trânsito como nunca.
Nas cercanias das favelas do Rio de Janeiro, alguns desocupados logo perceberam que podiam improvisar um pedágio sem grande esforço ou risco. Três pessoas paravam os carros e outros recolhiam o dinheiro. Alguns adolescentes dos Jardins, em São Paulo, também adotaram essa tática. Logo surgiu um aplicativo de celular para coordenar os pedágios e evitar a polícia.
Foi quando um delegado atirou no primeiro paisano em plena Avenida Paulista que o verdadeiro caos iniciou. O juiz do caso considerou o homicídio como uma morte de trânsito. Afinal, se fosse um carro comum, o pedestre teria sido atropelado e o caso seria apenas mais uma fatalidade do terrível trânsito brasileiro. Então, não seria justo mudar agora a jurisprudência, quando tantos motoristas já tinham sido inocentados. Além disso, não havia como determinar se o pedestre não tinha a intenção de assaltar ou simplesmente cobrar pelo direito de passagem.
Em pouco tempo, os pedestres estavam devolvendo as balas. O Congresso Nacional rapidamente reconheceu a necessidade de nova legislação e no tempo recorde de sete anos foram criados os conceitos de autodefesa veicular e autodefesa peatonal.
Em 2065, tudo tinha voltado à normalidade. Neste ano, morreram 50 mil brasileiros no trânsito (vítimas de atropelamentos e choques devidos a carros com firmware modificado para ignorar as regras de circulação). Os brasileiros estavam aliviados que os tiroteios nas ruas eram coisa do passado.
sábado, 19 de novembro de 2016
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