Mujica faleceu ontem e pensar em sua vida me ajudou a organizar alguns pensamentos que venho alimentando.
Ele falou muito sobre a sua vida e suas escolhas. Apesar de muito admirado pela sua humildade, eu creio que, na verdade, ele era uma pessoa bastante orgulhosa da liberdade que havia conquistado.
O Pepe vivia numa chácara na periferia de Montevidéu, sobrevivia de suas plantações, tinha um Fusca (obviamente, velho), e uma casa simples. Enquanto presidente, doava boa parte de seu salário, porque não tinha utilidade para o dinheiro.
Eu trabalho com software e grande parte dele é vendido por grandes empresas multinacionais. Eu não tenho nenhum apreço por nenhum software proprietário. Detesto a Oracle, o Qlik, o Windows. A minha antipatia vem crescendo nos últimos anos, porque as licenças estão se tornando cada vez mais limitadoras da liberdade do usuário, sem falar na tendência de empurrarem tudo para suas respectivas nuvens.
O software livre tem a fama, injusta, de ser difícil e de não haver o suporte que uma empresa grande poderia oferecer. A minha experiência é que não preciso de suporte para Linux ou Postgresql, porque eles não dão problema (pelo menos, nenhum problema que eu não consiga resolver), enquanto a Oracle é uma fonte infindável de bugs, complicações, e, para piorar, questões de licenciamento que ditam o que pode ser feito e quando tem que ser feito.
A escolha pessoal pelo software livre pode implicar ter que abdicar de algumas coisas, como o Excel ou alguns jogos do Windows. Eu realmente não sinto falta dessas coisas. Há muitos jogos para o Linux e o LibreOffice supre minhas necessidades. Eu sigo esse caminho conscientemente: é a minha escolha e eu usufruo das liberdades dela e o que ficou no outro caminho não me incomoda.
Um computador é uma máquina e deve servir a mim, não a quem a vendeu. As minhas máquinas de trabalho em casa são como o Fusca do Mujica: têm CPUs de 15 anos (i3-540 e Athlon II X4). Enquanto elas cumprirem o que devem, não vou gastar dinheiro para comprar uma máquina mais moderna.
Eu vejo pessoas comprando e vendendo produtos da Apple por preços absurdos e me pergunto como um equipamento acabou por se tornar um item de luxo. Percebo, então, que as coisas de luxo, na realidade, não têm sentido. As roupas de marca, os carros importados, as joias, não oferecem muito mais que a oportunidade de ostentação.
As pessoas estão presas a necessidades que não escolheram conscientemente.
A liberdade é uma escolha que exige, à primeira vista, sacrifícios. Entretanto, acho que é muito mais uma questão de se libertar de pressões que nos são impostas por nós mesmos e sugeridas pelo ambiente. Uma vez escolhido o caminho, os obstáculos são os pontos de apoio para nos impulsionar adiante. Eu escolhi o Linux e estudo os detalhes e cada vez consigo fazer coisas mais interessantes. Uma amiga vegana sabe tudo sobre plantas, conhece receitas, fornecedores, cultiva alguns alimentos em casa. Não é um sacríficio, porque é um caminho tomado conscientemente.
Enquanto isso, as pessoas que ainda não adquiriram consciência de suas necessidades vivem reféns de modas, influenciadores, comidas ultraprocessadas, roupas de marca. E com tudo isso vêm os problemas de saúde, tanto do corpo como da cabeça.
Mujica foi um tipo de influenciador alternativo. Ele era autêntico. Os influenciadores de mídias socias são falsos e as pessoas se apegam a eles talvez por alguma necessidade de pertencimento ou aprovação. Eles são mais um mecanismo do capitalismo tardio para aprisionar as pessoas a noções idiotas sobre como viver e a expectativas fantasiosas sobre beleza.
A liberdade, então, é encontrar o próprio caminho e libertar-se das expectativas alheias. Isso exige um pouco de reflexão e talvez um pouco de coragem; as mídias socias e o marketing não vão ajudar. É importante se desligar um pouco dessas coisas, porque a futilidade que reina começa a se tornar bastante irritante.
Um brinde ao Pepe por uma vida bem pensada e pelas reflexões que nos deixou.